Sunday, January 4, 2015

Em busca de um lar

"Just know your are not alone
I´m gonna make this place your home"

A campainha soou novamente naquela noite enquanto eu já me preparava para dormir.
Ao olhar pelo buraquinho da porta, pude ver que se tratava do zelador do meu condomínio. O velhinho prestativo era bastante ativo na visitação dos moradores. Era a terceira vez que ele vinha a minha porta aquela semana, sempre me trazendo presentes, utensílios domésticos ou ferramentas. Na verdade, tanta solicitude havia começado a me incomodar.
- Boa noite Sr. Walter. O que deseja?
- Boa noite, eu vim para perguntar porque você chegou tao tarde em casa. Geralmente sempre volta no ônibus das 18:00, mas dessa vez chegou em casa as 21:30.
Eu havia ido jantar com minha assistente após o trabalho, por isso o tal "atraso" em chegar em casa. Mas enquanto eu olhava para aquele senhor de cabelos brancos e braco tremulo, me perguntava porque razão ele parecia estar me monitorando.
- Você é sozinha, precisa tomar cuidado - ele continuou, talvez tentando se explicar -  existem muitos idiotas soltos por ai. Mas não se preocupe, eu tenho uma arma.
Não acredito que comunicar a posse de uma arma seja a melhor forma de tranquilizar alguém. Mas ele se virou e deixou a minha porta após isto. Eu, a esta altura, já não tinha mais sono...
Durante aqueles dias, a arrumação do apartamento prosseguia. Caixas de papelão e pedaços de isopor se espalhavam por toda parte. Admito que decoração de interiores nunca foi o meu forte. Alias eu nunca tive tempo para isso. Trabalhando em tempo integral, sem carro e em pleno inverno, pregar algumas fotos na parede no final do dia já era motivo de celebração.
Como parte do processo de adaptação, encontrei uma igreja próxima do local onde eu morava. As pregações em alemão suíço não facilitavam a minha compreensão, mas eu não precisava entender nada. Apenas estar lá já me fazia bem. A igreja também me proporcionou a oportunidade de conhecer muitos habitantes locais com um coração enorme. Essas pessoas  me convidavam para almoçar nos finais de semana e sempre ligavam para perguntar se as coisas estavam bem. Um certo dia até organizamos um almoço com comida brasileira para que pudessem experimentar: arroz, feijão com calabresa e bacon, farofinha, couve refogada... Os suíços comeram e repetiram.
Na empresa as coisas seguiam de maneira desafiadora. Ser uma mulher brasileira trabalhando em um ambiente predominantemente masculino, significava também ter que aguentar certos olhares e comentários que não me agradavam. Mas faz parte do processo de maturidade saber que nem tudo na vida vai ter o mais doce sabor. Superior a isto, é preciso acreditar que todas as coisas continuam colaborando para o nosso bem. Nessa situação transitória, a minha pequena fé era, em alguns momentos, tudo o que eu possuía. Mas todo o stress era compensado com passeios pelas montanhas nos finais de semana, esqui e outros esportes.
Porém certo dia, voltando de uma viagem de negócios, abri a minha caixa de correio e encontrei um envelope grande e amarelo, sem remetente, ou selo do correio. Curiosa, rasguei o envelope rapidamente. As muitas paginas dentro dele me surpreenderam e ao olhar para o conteúdo, eu não tive forcas para segurar a mochila que caiu no chão.

(continua... )



* Alguns nomes foram modificados para evitar a identificação das pessoas, porque as histórias aqui escritas são verdadeiras.